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Exposição Virtual Guilherme Arantes
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Em 76, nos primeiros trabalhos, ficava claro o quanto eu já vinha com estranhamento em relação ao "Show Business". Tudo o que eu queria era apenas compartilhar minha angústia, minha enorme solidão, numa estética, numa ética, muito particulares. No fundo, era como hoje ainda consigo ser, um enigma: Eu queria tanto estar no escuro do meu quarto, à meia-noite, à meia-luz, sonhando, daria tudo por meu mundo e nada mais. Já era um manifesto, em si. Não teria ternos cintilantes, óculos-de-borboleta (como quiseram na capa, mas eu pulei fora ..), nem atitudes de auto-indulgência na vaidade canastrona. Nada. Lutei bravamente durante quase meio século, atravessando todo tipo de cobranças e "decepções" desse "Show Business" que me queria "entertainer" e eu nunca me entreguei. E até mesmo alguns meses antes, no festival de Iacanga, com o meu Moto Perpétuo, diante da "realidade bruta" da cobrança de "performar para agradar", logo enxerguei contra exatamente o que John Lennon havia se rebelado porque era basicamente um rebelde e suas letras são confessionais e são obras de Arte, a maioria fugindo do "divertissement" tão apreciado pelo mundo histriônico e frenético do "hype" artificioso. Com apenas 22 anos, eu podia não saber exatamennte o que eu queria, mas sabia perfeitamente "em que" eu não queria me transformar. Estou aqui, sei que o tempo passou. E não faz mal se trago a mesma angustia, porque também para mim não faz a menor diferença se o mundo, com todos os seus "hypes" artificiosos e suas mentiras de sempre, continua exatamente o mesmo, ou pior. É como se, ao menos moralmente, no espírito, o tempo não houvesse passado.
Logo no primeiro ano da carreira-solo, em 1977, eu pude saborear o refluxo do êxito repentino da minha estréia na Som Livre em 76, sob o guarda-chuva frondoso da Globo, e pagar todos os pecados do mundo, pois como dizia o Jobim em uma de suas inumeráveis “tiradas” brilhantes, fazer sucesso no Brasil é ofensa pessoal. A face mais visível do rancor vinha do ambiente universitário – eu era tratado pejorativamente como “o nosso ídalo”, pelos colegas mais mordazes, que brincavam de forma jocosa com minha súbita fama nos auditórios da Televisão... O ambiente carregado politicamente – poucos meses antes havia ocorrido a assembléia da “Libelu” no salão Caramelo da FAU , na USP. O Brasil vivia a plenitude dos anos de chumbo, e o sarcasmo do “Pasquim” pontuava o discurso da maioria dos colegas...Muitos andavam (como eu ) de ônibus da CMTC (a nossa lendária linha Largo da Concórdia – Cidade Universitária ) e almoçávamos no bandejão do Crusp. Já uma outra ala dos colegas eram os granfinos dos Jardins/Alto de Pinheiros, que iam à Faculdade em seus lindos automóveis e formavam um contingente mais conservador e refinado. De um modo geral, todos se misturavam cordialmente num ambiente rescendente a Realismo Fantástico, O Despertar dos Mágicos, 100 Anos de Solidão, Eric Von Daniken misturado com Eric Hobsbawn, Huxley misturado com Castañeda, Kafka com Mautner...Só que ninguém estava preparado para ver o “Gô” , o “Chocolate”, o “Guigui” nas telas do Globo de Ouro...assim, sem mais nem menos... Outra face problemática me surgia dentro da gravadora, porque o querido e saudoso João Araújo, vamos dizer, naquela época, era um pouquinho o que minha avó chamava de “rempli de soi-même”, embora me atendesse sempre com atenção, graças ao carinho da secretária, a adorável Neila... Me lembro de encontrar Cazuza, um menino, nos corredores da gravadora...Mais tarde, muitos anos depois, Cazuza me contaria que o seu pai tinha verdadeira adoração por mim... Pena que, em 77 ele não demonstrasse isso, como se eu fosse apenas um “amor inventado” . Mesmo assim, até mesmo um crachá de “livre acesso” da Globo eu havia conseguido, através da secretária Neila, para entrar na Vênus Platinada, e ver, de longe, o clima das gravações das novelas. João achava que eu deveria tentar adicionar aos meus talentos a arte dramática, ou seja, que eu fizesse curso de teatro no Tablado e tentasse a carreira de ator. Mas isso não estava absolutamente nos meus planos, eu sempre me achei canastrão e jamais quis ser algo mais do que compositor e cantor. Me lembro que João não gostou muito dessa minha restrição, acho que eles já estavam a caminho de lançar o meu colega, bom ator, Fábio Junior, multitalentoso que era para cumprir essa paleta de atividades que a TV estava procurando, um sonho hollywwodiano seguindo a tradição americana de “performing arts”... Comecei então a achar que havia algo errado, e já me encaminhava para uma trajetória de colisão. Infelizmente. Porque não havia nada de errado em lugar algum. Eu é que não conhecia nada do mundo. Sempre fui um cara meio problemático e ensimesmado. Nesse período, isso se acentuou. O mercado não tinha muitas alternativas, eu abracei os auditórios populares da televisão com prazer, mas eu sabia que teriam sido melhor para mim alguns espaços diferenciados como os finados Festivais, os antigos musicais da Record eram coisa do passado, aqueles eram anos de chumbo, de censura, e eu havia me tornado uma exceção ao conseguir destaque num tempo de desilusão, incompreensão e muita polaridade. Poucas coisas logravam frutificar. Eu era uma delas. Morando sozinho num sobradinho de uma vila na Rua Ferreira de Araújo, Pinheiros, eu me libertava do clima familiar pesado, pois eu estava trancando a matrícula na Arquitetura (para desespero e repúdio dos meus pais...) Para resgatar meu acento geracional, eu montei uma banda com forte acento “progressivo”, com o querido Paulo Soveral no baixo, o querido Guido Carli na bateria e o talentoso, mas “exigente” J.C.Prandini do Apokalipsis na guitarra e flauta. Os ensaios eram na salinha do meu sobradinho alugado, eu tinha um piano “petit” Brasil microfonado com captador piezo Barcus Berry que a Márcia Vital havia trazido para mim de Nova York, era o que existia na época, antes da revolução do Yamaha CP70, um ano depois ...e eu havia comprado um Minimoog na antiga loja Del Vechio da Rua Aurora, me lembro bem, por 800 dólares. Esse Minimoog era um sonho para mim, me acompanha até hoje, vale uns 5.000 dólares, tem o número 00268 da fabricação inglesa, e como eu, aliás, somos muuuito valorizados no mercado de “vintages”... As gravações do segundo disco já foram um pouco atribuladas, sem que eu, desta vez, pudesse contar com a proteção e competência do produtor Otavio “Pete Dunaway” Cardoso, que havia me revelado no disco anterior. Teria Otavio sido o meu anjo da guarda, meu descobridor. Mas eu agora estava sem ele. Fui com a banda para o Rio, e nos hospedamos no Hotel Ok da Senador Dantas, na Cinelândia. Muitos problemas na banda, especialmente com o genial Prandini – um chatão, que questionava a produção do adorável Marcio Antonucci (da dupla “Os Vips”). Gravamos nos estúdios da Sigla, o Estudio Level, na Rua Assunção, em Botafogo. Entre muitas dificuldades, o órgão Hammond inglês tinha uma voltagem européia de 240V , e uma ciclagem diferente, de 50 Hertz, que não afinava de jeito nenhum com as bases... Esse órgão era do Andy Mills (ex-engenheiro de som do Alice Cooper, que se apaixonara pelo Brasil e ficou com vários equipamentos da tournée do Alice Cooper, para vender na Terra Brasilis...) O piano, no Estúdio da Som Livre, não era tão bom, não me lembro porque, tinha um som seco, e fizemos o que pudemos com efeitos como o Phaser Maestro...Esse mesmo phaser usamos em Amanhã, e em Baile de Máscaras, no Elka Rhapsody. Um parêntese : essa “string machine” legendária eu recentemente reencontrei no Ebay da Alemanha e obviamente comprei na hora !!! Me lembro de encontrarmos pelos estúdios Level a Rita Lee e o Roberto de Carvalho preparando com Guto Graça Mello o que seria o “Arrombou a Festa”, ou talvez o futuro disco “Babilônia”...não sei bem, a memória já me falha a estas alturas... Baile de Máscaras : A música mais “Elton John “ do meu repertório. Muita gente tinha (e muita gente ainda tem) o costume de me qualificar como “o Elton brasileiro”, “o nosso Elton John”... Sei que é carinhoso, mas é uma responsabilidade, de toda forma eu não ligo, pois me sinto honrado de frequentar a mesma prateleira dos discos do mestre Reginald Dwight. Adoro ele. É um gigante, um grande perfomer, um showman, e uma pessoa de grande valor, com muita superação e uma história de vida corajosa, muito generosa. Aprecio principalmente quando surgiu, intenso e angustiado, como eu também queria ser e me identificava. Competente pianista com acento clássico mesclado com blues, Elton tem uma voz expressiva, maravilhosa, e um trabalho muito pessoal, de qualidade monumental. Inúmeras canções dele são primorosas, irretocáveis, com a parceria virtuosa do poeta Bernie Taupin, uma dupla muito inspirada. Essa comparação sempre foi um desafio positivo para mim, pois me levava a uma cobrança interior de superar as minhas limitações. Eu tinha que me virar fazendo as letras também, e essa é uma diferença importante entre nós. Elton não costuma escrever letras. Sempre foi muito nobre nas harmonias e melodias, embalado por orquestrações luxuosas londrinas, que eu jamais poderia sequer sonhar. A sua qualidade dos pianos, então, é algo humilhante, e não só para mim, mas para toda a concorrência mundial. Ninguém chega nem no chinelo. Pianos inacreditáveis, em estúdios estratosféricos, com microfones e pré-amplificadores sem paralelo. Arranjos, regências e, especialmente, músicos da Royal Philharmonic, já nos primeiros trabalhos, tudo trazia aquele “British Royal Aplomb” privilegiado. Eu não imitava o querido Reginald. Aliás, eu nunca imitei ninguém, não é da minha natureza macaquear trejeitos ou maneirismos. Perdão, eu devo corrigir, imitei sim. Imitei Ray Charles, em 58 eu tinha 5 anos, quando minha avó me deu uns óculos escuros da ótica Lupo de Araraquara, e eu usava até de noite, dentro de casa, e tocava de ouvido “I Can´t Stop Lovin´You”... Eu quis ser Ray Charles, é uma paixão para a vida inteira...Eu sempre gostei de incorporar o que vinha no rádio, na TV. Tom, Chico, Milton, Ivan, Taiguara, etc... Mas eu assimilava com profundidade, tentando “matar a charada” da estrutura deles. Então em 1977 eu lidava com essa comparação, até porque Reginald havia se transformado no “number One” do Big Business...era impossível cair fora, por mais que eu não me sentisse confortável, sabendo das minhas muitas limitações... Depois que as primeiras baladas, Meu Mundo e Nada Mais e Cuide-se Bem me projetaram nas rádios, eu resolvi me debruçar na composição e fazer jus a essa honraria, e sentei ao piano com a incumbência de não decepcionar demais essas expectativas. Nasceria então “Baile de Máscaras”. Acho linda essa música. Tenho um orgulho danado. Muitas músicas não ascendem ao panteão dos “grandes sucessos”, mas como eu digo sempre, o sucesso é uma coisa superficial e circunstancial. Não vou recontar as desventuras e atrapalhações dessa época, que fizeram esse disco ser uma pérola misteriosa, com “Amanhã” sendo um grande destaque, porque acabou entrando numa grande novela, “Dancin´Days”. Baile de Máscaras até entrou em “Espelho Mágico”, uma novela de curta duração que foi retirada do ar por causa da fraca assimilação do roteiro, com metalinguagens ousadas de “uma novela dentro de outra novela”... Como composição, porém, para mim, assim como para um número inacreditável de fãs verdadeiros do Guilherme Arantes, permanece como uma das melhores !!! Um dia, vou gravar um clipe em Veneza !!! Ah... mas vou mesmo ! Podem apostar !